O amor e o desejo
Quando pensamos na relação de casal, pensamos inevitavelmente no amor e no desejo.
Serão o amor e o desejo inseparáveis? Será que a intimidade emocional aparece sempre ligada à intimidade sexual? É possível manter o desejo numa relação amorosa duradoura?
A questão da diminuição do desejo no contexto de uma relação amorosa estável e longa é um assunto muito explorado, tal como são inúmeras as sugestões e receitas para mitigar o problema. Talvez, contudo, valha a pena reflectir um pouco mais sobre ele.
Se é verdade que, tanto para os homens como para as mulheres, podemos atribuir o desvanecimento do desejo ao stress, aos horários, às exigências do trabalho e dos filhos, à falta de tempo e comunicação no casal, etc., será que essa situação não se reveste, frequentemente, também de outras complexidades?
No contexto duma terapia de casal podemos começar por tentar perceber se a procura de criatividade, de liberdade, de prazer e sensualidade está presente de um modo geral na vida do casal, dentro e fora da relação amorosa. Será que valorizam o erotismo (a vivência do corpo afectado pelos sentidos) nas suas inúmeras formas: o prazer de escutar uma música, de saborear uma boa refeição, de contemplar algo belo? E será que procuram criar espaço na sua relação para partilhar esses prazeres?
Temos ainda que analisar se as heranças familiares ou os valores e tabus sociais e culturais poderão estar a afectar e condicionar a relação com o corpo, com o desejo e com a sexualidade. Será que o corpo, ao invés de um lugar de comunicação, é um lugar de interditos, ansiedades e inibições, para um ou para os dois elementos do casal?
Mas devemos também reflectir sobre o que se passa na relação amorosa que perdura no tempo e como isso pode ter impacto na vida erótica do casal.
No início das relações amorosas os casais vivem habitualmente um estado de paixão, onde a presença do outro (ainda desconhecido) nunca é demais, ou suficiente… Os elementos do casal confundem-se e misturam-se, vivem como se fossem um só, num estado de fusão psíquica e sexual. Contudo, essa vivência de fusão tende a ser transitória e a dar lugar a uma ligação entre duas pessoas separadas que partilham a vida. Só que por vezes, para alguns casais (para um ou ambos os parceiros) é difícil abandonar essa relação idealizada.

Continuam emaranhados, fazendo tudo juntos, partilhando tudo, sendo pouco ou nenhum o espaço de autonomia e individualidade. O amor é vivido com uma união absoluta onde as fronteiras do eu e do outro se diluem. E sem distância entre o “eu” e o “outro” o erotismo ressente-se (num nível inconsciente, o afastamento sexual pode estar ligado a um desejo de manter um sentimento de autonomia psíquica). São dois amigos mas não são dois amantes.
Não significa isto que a amizade, a proximidade afectiva, a partilha, a confiança, não sejam condimentos muito sensuais numa relação amorosa. De facto, quando a distância é excessiva a ligação emocional e sexual entre parceiros esbate-se (essa é aliás uma queixa de muitos casais). Mas é preciso existir também espaço e diferenciação entre os membros do casal, lugar para o desconhecido numa relação duradoura. Sem alguma distância não há alteridade, não há um “outro” para descobrir, para ansiar por, para fantasiar sobre, para desejar.
Esta tensão entre proximidade e afastamento, entre o familiar e o desconhecido acompanha sempre a vida do casal. Todos os seres humanos procuram segurança e previsibilidade, mas também exploração e aventura. E as relações amorosas espelham bem este dilema. Queremos viver um sentimento de estabilidade e pertença com o nosso parceiro. Mas sentimo-nos muitas vezes atraídos pelo desconhecido, pelo novo, pelo incerto.
Curiosamente o amor não traz garantias. Não é seguro. Na verdade, é instável, mutável e imprevisível. Pode acabar… Como explica o psicanalista Steven Mitchell, para diminuir esta ameaça tentamos torná-lo previsível, procuramos reduzir as áreas desconhecidas do nosso parceiro e construir uma (falsa) sensação de segurança. Contudo, é assim que o amor pode ficar entorpecido e monótono… É preciso repor a distância, respeitar fronteiras, saber viver harmoniosamente com alguma incerteza na relação de casal, abrindo caminho ao prazer (e desejo) da descoberta sobre o outro.
Numa terapia de casal procuramos desenvolver esse prazer criativo, contribuir para a construção de uma relação feita de cumplicidades e sintonias mas onde os desencontros, diferenças e espaços privados também podem ser aceites e valorizados.
Queremos ajudar os elementos do casal a criar uma proximidade suficientemente segura para expressarem as suas identidades distintas, a suportar e apreciar a experiência da diferença bem como da semelhança relativamente ao outro. Autónomos mas ligados…
Marta Aleixo
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta