Infidelidade on-line
Fazer parte de uma relação amorosa duradoura proporciona um sentimento de estabilidade e segurança, de conforto e pertença. Geralmente essa relação de compromisso a longo prazo implica uma promessa de fidelidade emocional e sexual entre parceiros, que contribui para a sua estabilidade e que a define como única e exclusiva.
As relações extraconjugais constituem uma violação desse compromisso que foi assumido, criando uma vivência de grande crise e instabilidade no seio do casal. Nos casais que enfrentam situações de infidelidade encontramos testemunhos de profunda dor e desolação, de confusão e raiva, de humilhação e perda de confiança, e de um enorme abalo nos alicerces familiares.
A infidelidade é uma das principais causas de separação e divórcio, tendo frequentemente um efeito dramático quer na relação com o parceiro quer na relação com os filhos e outros membros da família… E quando se torna conhecida é um assunto que suscita polarizações, julgamentos e sentimentos viscerais nos familiares e no círculo de amigos.
O adultério (palavra derivada do latim adulterare cujo significado é falsificar, corromper) remete-nos para um comportamento com um forte estigma social, sendo muitas vezes atribuído a indivíduos e casais “imperfeitos”. E se é verdade que existem casos de adultério associado a patologia individual e a relações amorosas abusivas marcadas pelo desrespeito, manipulação e violência sobre o outro, nem sempre é assim. Os casos extraconjugais também ocorrem em relacionamentos relativamente estáveis e saudáveis, e os motivos inerentes à traição podem ser múltiplos, desde a solidão ao desejo de novidade, desde o afastamento e insatisfação emocional ou sexual, ao desejo de sentir-se mais vivo. Também os significados e as consequências da infidelidade podem ser diversos, e isso faz com que cada situação tenha que ser olhada, em contexto psicoterapêutico, à luz da singularidade e da subjetividade dos parceiros que constituem aquele casal.
Sabemos que a infidelidade sempre existiu e que vai assumindo outras roupagens à medida que a nossa sociedade se transforma. Com o desenvolvimento de novas formas de comunicação virtual surgem, também, novas situações e contextos onde os casos extraconjugais se podem desenvolver.
E aqui colocam-se novas questões: o que são interações on-line “aceitáveis” e relativamente “inocentes” e o que constitui um comportamento transgressivo e lesivo para o relacionamento conjugal existente fora do mundo virtual? De facto, quando falamos de infidelidade on-line podemos estar a falar de uma multiplicidade de situações, desde o flirt e troca de mensagens de sedução, a relações virtuais que se vão tornando progressivamente mais íntimas e profundas, a sexo virtual (diálogo erótico sobre fantasias sexuais tipicamente acompanhado por auto-estimulação), a contactos on-line mais esporádicos ou mais frequentes que vêm a dar origem a encontros extraconjugais presenciais. Algumas fronteiras entre o que constitui ou não uma traição podem não ser totalmente claras, dependendo das perspetivas e crenças pessoais, geracionais e culturais. Sabemos, porém, que os relacionamentos amorosos e as atividades eróticas na internet têm um impacto real nos relacionamentos off-line.

O ciberespaço é frequentemente sentido como um local mais flexível e seguro para conhecer outras pessoas pois envolve fácil acesso, anonimato, distância física e maior sensação de controlo. A exploração desse mundo on-line, que oferece uma miríade de possibilidades românticas e/ou sexuais, é feita num local privado, por exemplo, a casa do sujeito. Este pode revelar apenas a informação que desejar sobre si próprio, ao mesmo tempo que escolhe e entra facilmente em contacto com o outro mantendo, contudo, controlável a sua “presença” e interferência na “vida real”. A probabilidade de ocorrer um encontro casual indesejado com o parceiro virtual é remota e uma eventual rejeição tem menor probabilidade de causar angústia quando é possível desconectarmo-nos a qualquer momento.
Tudo isso gera um efeito de desinibição no sujeito e uma tendência para revelar as suas emoções e sentimentos de uma forma mais acelerada e aberta, criando uma aparente (?) sensação de confiança, aceitação e intimidade que demoraria muito mais tempo a construir numa relação face-a-face.
Por outro lado, pode também existir a ilusão de que o que está a acontecer tem lugar numa espécie de mundo irreal e paralelo, sem repercussões ao nível da realidade. É como se as relações que ocorrem no ciberespaço fossem sentidas como separadas do mundo exterior sendo por isso mais fácil fazer uma clivagem entre o caso on-line e o resto do mundo do sujeito.
E assim este outro com quem o sujeito se relaciona assume igualmente características duma pessoa “não real”. Pode ser um outro despersonalizado, alguém que não se conhece nem nunca se encontrou ou desejou encontrar pessoalmente, em vez de um ser humano “real”. Pode ser também um outro idealizado (o “bom objeto” de M. Klein) em quem são projetadas um conjunto de características e qualidades que o sujeito deseja ou das quais sente falta nos seus relacionamentos. A pessoa real do outro lado do écran é menos importante do que a fantasia que ela representa e o relacionamento on-line torna-se mais sedutor e excitante pois também confere ao sujeito a oportunidade de ser um outro e de experimentar partes de si não vividas na relação conjugal primária.
Além do mais, a clivagem entre mundo real e mundo virtual faz com que as relações on-line tendam a ser racionalizadas e desvalorizadas pelo sujeito, olhadas como devaneios e não como verdadeiras situações de infidelidade. No entanto, quando o parceiro descobre há uma sensação de traição, de quebra de confiança e de perda idêntica à experienciada numa situação de infidelidade “convencional”. Assim para que fique claro, a existência de um relacionamento emocional e/ou sexual com um terceiro, mesmo quando virtual, constitui um violento ataque à intimidade e exclusividade do casal.
A descoberta de um caso on-line é chocante e dilacerante. Há uma exposição intensa e repentina à nova realidade já que encontrar uma mensagem ou e-mail pode rapidamente originar mais revelações agravando os aspetos traumáticos dessa divulgação, e um sentimento de invasão da privacidade uma vez que normalmente a relação extraconjugal aconteceu no espaço compartilhado do casal, podendo fazer com que o parceiro sinta que já não é um espaço seguro. Além disso, o contacto com e a permanência dos testemunhos da infidelidade (os textos e imagens que ficam registados on-line ou em dispositivos como o computador ou o telemóvel) pode ser muito perturbadora e dificultar a reconstrução da confiança entre parceiros. A fácil acessibilidade à internet cria também um sentimento de grande insegurança no parceiro que descobriu a relação extraconjugal, fazendo-o recear que a situação se possa repetir em qualquer momento.
Reconstruir uma relação amorosa após uma infidelidade (face-a-face ou on-line) é sempre um processo difícil e sofrido, carregado de medos e dúvidas – por vezes só possível acontecer na parceria de uma relação terapêutica especializada –, passando inevitavelmente pela aceitação de responsabilidades e pelo desenvolvimento da empatia pelos sentimentos e vivências do parceiro.
Marta Aleixo
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta
www.martaaleixo.com