Stress e Burnout
O stress é amiúde retratado como um flagelo da vida moderna. Sempre cheios de solicitações, objetivos e prazos, já não sabemos parar, já não temos tempo para nos sentirmos, para entrar em contacto com as nossas emoções e percebermos os nossos limites. Sem espaço para refletir, reagimos e tentamos adaptar-nos a exigências infindáveis. Mas a que preço?
Ao longo da nossa vida, quer pessoal quer profissional, todos somos afetados por uma diversidade de situações desafiantes e indutoras de stress. Na esfera pessoal podemos falar de questões tão diversas como problemas familiares, uma separação ou divórcio, a doença ou perda de um ente querido, dificuldades financeiras, o nascimento de um filho. Em termos profissionais podemos pensar em questões como uma carga de trabalho desajustada, um nível de responsabilidade muito elevado (ou um grau de autoexigência excessivo), problemas relacionais com colegas ou chefias, más condições de trabalho, violência e abuso, mas também novos desafios que apesar de nos fazerem ir mais além, requerem por vezes um esforço que se torna demasiado. Percebe-se portanto que as situações causadoras de stress não têm que estar obrigatoriamente ligadas a acontecimentos de vida negativos.
Em particular no último ano e meio a pandemia de COVID-19 provocou uma situação aguda de ameaça à sobrevivência. Quer a pandemia quer as medidas de confinamento trouxeram muitas perdas e transformações que se somam e que pressionam os nossos limites. O que acreditávamos ser certo e garantido deixou de o ser. Tudo isso tem tido, inevitavelmente, um impacto psicológico muito significativo, implicando elevados níveis de stress e um complexo processo de ajustamento a uma nova realidade.
Mas afinal o que é o stress?
O stress nada mais é que um conjunto de reações físicas e psicológicas do nosso organismo quando confrontado com qualquer circunstância “ameaçadora” que lhe coloque exigências que excedem, mesmo que apenas temporariamente, os seus recursos e capacidade de resposta, independentemente de se tratar de uma situação com um caracter positivo ou nem tanto.
Nessas circunstâncias fazemos implicitamente uma avaliação (subjetiva, porque diferente para cada um de nós) quer da intensidade da ameaça, quer da nossa capacidade para lidar com ela. Os nossos níveis de stress serão tanto mais elevados quanto maior a discrepância entre estes dois aspetos. Se a vivência de ameaça prevalece há uma ativação do nosso organismo que se prepara para “lutar” com ou “fugir” do perigo. O stress é pois uma reação natural e adaptativa!
Apesar de estarmos muito bem preparados para reagir a fontes de stress agudas e transitórias (imagine-se, por exemplo, se fossemos atacados por um predador…), no ser humano a resposta de stress pode ser desencadeada não só face a uma ameaça física imediata mas também, dada a sua sofisticação intelectual e emocional, a situações ameaçadoras, de natureza psicológica e social, presentes ou futuras. Efetivamente, quando antecipamos e nos preocupamos com situações potencialmente ameaçadoras durante longos períodos de tempo, ativamos o mesmo tipo de mecanismos de resposta (de stress) que podem ter consequências muito nefastas na nossa saúde devido à sua natureza crónica.
Embora o medo e a excitabilidade autonômica aumentada sejam reações adaptativas e expectáveis em face de um evento ou circunstância ameaçadora, quando adquirem um caracter excessivo e persistente, têm um impacto muito significativo sobre a nossa saúde física e mental. Há uma desregulação psicossomática (psique/mente + soma/corpo) que abre caminho ao surgimento de patologias diversas: doenças cardiovasculares, doenças metabólicas, patologias graves ligadas à desregulação do sistema imunitário, perturbações da ansiedade, perturbações depressivas e abuso de substâncias, entre muitas outras. O corpo e a mente adoecem…
Pensemos agora especificamente sobre o stress profissional.

Neste contexto é incontornável falar sobre a síndrome de burnout (também conhecida por síndrome de esgotamento profissional), uma das patologias mais graves que podemos encontrar no âmbito da saúde ocupacional. Muito embora não seja uma condição formalmente reconhecida pelo manual de diagnóstico clínico psiquiátrico DSM-V (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), a Organização Mundial de Saúde identificou recentemente o burnout como uma doença associada à atividade profissional, incluindo-a pela primeira vez na revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), em vigor a partir de 2022.
Podemos descrever o burnout como um estado de esgotamento físico e mental resultante de situações de stress crónico em contexto laboral. O burnout surge após um longo e gradual processo de desgaste associado ao trabalho, que culmina num estado de exaustão onde a pessoa sente que os seus recursos para lidar com as solicitações profissionais, e frequentemente também com as da sua vida pessoal, estão esgotados.
O burnout é caracterizado por 3 dimensões: a exaustão física e mental, a despersonalização e a perda de realização profissional.
A exaustão física e emocional é originada por um desequilíbrio entre as exigências profissionais e os recursos de que se dispõe. De facto, a pessoa começa por se sentir sobrecarregada, sem conseguir responder às exigências que lhe são colocadas (por ex., lidar com maior carga de trabalho, mais responsabilidades, novas funções para as quais não se sente preparada, tudo isso frequentemente num contexto de degradação das relações interpessoais) mas tenta fazê-lo passando a trabalhar mais horas e aumentando o esforço para corresponder às tarefas e solicitações. Isso dá origem a um processo de desgaste que se vai agravando, com respostas crónicas de fadiga, tensão, preocupação e ansiedade. Surgem sentimentos de desânimo e falta de motivação. A pessoa sente-se esgotada, sem capacidade física e psicológica para lidar com a situação.
Para se defender desta carga negativa a pessoa começa a distanciar-se emocionalmente do trabalho. A despersonalização consiste precisamente neste desligamento emocional relativamente ao trabalho e às outras pessoas com quem se tem uma relação profissional, sendo frequentemente acompanhada por um isolamento interpessoal crescente.
Todo este processo de exaustão e despersonalização é acompanhado por uma diminuição ou perda de realização profissional e por uma redução da qualidade do trabalho, abrindo caminho ao surgimento de sentimentos de incapacidade, inutilidade e fracasso, e de grande impotência e falta de esperança. O sofrimento mental é intenso e avassalador.
O burnout aparece frequentemente associado a diversas doenças orgânicas, a psicopatologia ansiosa e depressiva, assim como a situações de abuso e dependência de substâncias psicoativas e risco aumentado de suicídio, para além de ter importantes implicações laborais como a diminuição do desempenho, absentismo e presentismo (estar presente no local de trabalho, por vezes mais tempo do que o formalmente exigido, mas sem a produtividade correspondente).
É fundamental salientar que o burnout resulta da experiência da pessoa num contexto, numa realidade profissional cujas exigências sobrecarregam os seus mecanismos de defesa e de adaptação, originando um quadro de enorme desgaste físico e emocional.
Se é verdade que algumas características individuais (por exemplo, elevada motivação e envolvimento no trabalho, elevada autoexigência, dificuldade em colocar limites às solicitações que lhe são feitas, tendência para assumir muitas responsabilidades quer profissionais quer pessoais, etc.) poderão ter algum contributo, a emergência desta doença profissional ela está profundamente relacionada com as características das instituições e da organização do trabalho cujas imposições excessivas (ex. demasiado trabalho, baixa autonomia, elevadas exigências emocionais, falta de reconhecimento, relações pouco solidárias ou mesmo tóxicas entre colegas, precarização e insegurança, etc.) ultrapassam as capacidades de adaptação da pessoa e provocam uma depleção dos seus recursos físicos e psicológicos.
Seja na esfera profissional ou pessoal, é urgente refletir sobre como podemos cuidar melhor de nós, sobre como podemos aliviar o stress e tentar encontrar mais equilíbrios e harmonia na nossa vida. É preciso haver tempo para o trabalho, tempo para a família e tempo para nós próprios, para pensar, contemplar, relaxar e saborear os pequenos prazeres quotidianos. É preciso conseguir dizer não e aceitar a perda inerente às escolhas que fazemos. É preciso criar espaço emocional para nos relacionarmos com o outro, que nos acompanha, dá coragem e ajuda a aliviar as sobrecargas que a vida impõe. É assim que desenvolvemos a nossa capacidade de auto-regulação física e emocional, que nos vai mantendo relativamente protegidos de descompensações psicossomáticas mais graves.
Marta Aleixo
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta
www.martaaleixo.com