A sexualidade e o casal
A sexualidade humana é um fenómeno biológico e afetivo e tem que ser pensada num contexto interpessoal, ou seja, no contexto da relação com o outro. O desejo sexual envolve muito mais do que hormonas sexuais – é influenciado por crenças e expectativas acerca da sexualidade, por aspetos culturais e psicológicos.
Os seres humanos procuram relações e vínculos sociais, amorosos e sexuais de forma a satisfazer as suas necessidades básicas de segurança, afeto, prazer e procriação. A sexualidade adulta tem uma função reprodutiva e de perpetuação da espécie, mas também uma função emocional, constituindo uma forma de comunicação afetiva com o parceiro: o prazer sexual partilhado permite a cada um amar e sentir-se amado. Efetivamente uma das funções da sexualidade é contribuir para que a intimidade e o apego se possam desenvolver e perdurar no casal. Sabemos que, no seio de uma relação amorosa, uma sexualidade gratificante cria proximidade emocional e acentua os vínculos entre os elementos do casal, ajudando-os a tolerar fases de maior distância e dificuldade na relação conjugal.
A sexualidade pode, todavia, ter uma função autoerótica defensiva e ser maioritariamente vivida como uma forma de diminuir a tensão, de expressar instintos agressivos ou de diminuir a ansiedade de separação e a solidão. Neste caso estamos perante uma vivência sexual menos relacional (onde o outro assume um papel secundário) e, portanto, não conducente a uma relação de intimidade afetiva. Essa pode ser uma limitação para uma experiência de proximidade no casal: há uma sexualidade mecânica, sem intimidade.
Na intervenção psicoterapêutica com casais são frequentes os pedidos de ajuda motivados por dificuldades psicossexuais. As queixas podem ser muito diversas: desde desencontros entre parceiros motivados pelas suas diferenças na expressão de necessidades sexuais e emocionais, até à falta de desejo de um ou dos dois membros do casal ou a outras perturbações sexuais (disfunção eréctil, disfunções ejaculatórias, perturbação do orgasmo, dispareunia, vaginismo, etc.) que podem ter tanto causas psicológicas como orgânicas (como ambas).
Os problemas sexuais têm frequentemente um substrato relacional, e podem estar presentes desde o início da relação amorosa ou emergir ao longo do tempo.
Em primeiro lugar existem fatores predisponentes que contribuem para o seu surgimento. Por exemplo, a existência de relações familiares disruptivas ou de experiências sexuais traumáticas precoces poderá afetar negativamente a vivência de uma sexualidade saudável no adulto. Outro aspeto é a influência exercida pela educação e cultura sobre a expressão da sexualidade. Em algumas famílias e culturas a sexualidade é evitada ou mesmo criticada, o que faz com que o prazer erótico venha a ser experienciado como algo errado e vergonhoso.

Em segundo lugar podemos elencar diversos fatores que podem precipitar uma situação de insatisfação ou mesmo de disfunção sexual. A vivência de um desejo sexual intenso geralmente presente na fase do enamoramento pode modificar-se e originar algum afastamento sexual entre parceiros. À medida que a novidade dá lugar à familiaridade, que o outro idealizado se torna uma pessoa real com quem se partilha a vida, isso pode causar desilusão e afetar a expressão sexual. Por outro lado, o desgaste e a pressão do quotidiano, eventos de vida como o nascimento dos filhos, a existência de conflitos na relação, a vivência de perdas e lutos e de outros estados afetivos negativos podem prejudicar a resposta sexual e dar origem a problemas psicossexuais ao longo da vida a dois. Outros fatores precipitantes poderão ser situações de doença física ou mental (por exemplo, depressão, alcoolismo), o envelhecimento, a utilização de medicação que afete a função sexual ou até mesmo uma simples experiência pontual de falha ou incapacidade sexual que origina um forte receio que o problema se repita (e muitas vezes é precisamente esse medo que irá fazê-lo perdurar…).
Finalmente é preciso considerar os fatores que mantêm e perpetuam os problemas sexuais naquele casal. O receio ligado à performance sexual é um aspeto transversal na manutenção das dificuldades sexuais, já que ansiedade e resposta sexual são incompatíveis. Qualquer que seja a causa de ansiedade, esta afeta a função sexual pois provoca evitamento, ausência de desejo e de excitação sexual e disfunções orgásticas. A antecipação da falha, a culpa por não corresponder ou proporcionar ao parceiro maior satisfação sexual e as dificuldades de comunicação no casal vão aumentando a carga negativa associada à sexualidade, gerando-se um ciclo vicioso.
Espera-se que numa relação amorosa coexistam uma ligação afetiva próxima e uma sexualidade satisfatória. Nem sempre é assim, o que pode originar sentimentos de grande frustração e desespero. Por vezes existe amor e desejo mas o casal não consegue viver a sua sexualidade como imaginava. Nestas circunstâncias é preciso tentar perceber quais são as expectativas acerca do que “deve ser” uma vida sexual “normal” e porventura ajudar o casal a aceitar melhor a sua experiência sexual. Isto porque a existência de idealizações e mitos acerca da sexualidade pressionam os parceiros e criam tensão. E, como vimos, a ansiedade é o maior antídoto para uma experiência sexual gratificante.
Além disso, no contexto duma relação amorosa duradoura a sexualidade surge geralmente de braços dados com a intimidade emocional, o que pode ser vivido (inconscientemente) por um ou pelos dois elementos do casal como uma experiência muito assustadora, de dependência e de perda de limites entre o eu e o outro. Na clínica vemos que esse é muitas vezes um dos motivos (que precisa de ser compreendido e transformado) para as dificuldades de expressão sexual plena entre dois adultos fortemente comprometidos um com o outro.
Ainda relativamente à intervenção psicológica, diria que a informação e educação sobre a resposta sexual humana são muito importantes na resolução ou diminuição do impacto que algumas dificuldades sexuais têm no indivíduo e no casal. É importante que cada membro do casal conheça melhor o seu corpo e encontre tempo e disponibilidade psicológica para pensar no seu prazer (e para se responsabilizar por ele) sem culpabilidade. É ainda fundamental ajudar os membros do casal a comunicar um com o outro sobre a sua vida sexual, expressando os seus receios e as suas necessidades ao invés de tentar adivinhar o que o parceiro está a pensar e a sentir. Por outro lado, uma intervenção psicoterapêutica que permita conter e diminuir a zanga e a hostilidade entre parceiros e aumentar a harmonia e a proximidade afetiva pode ser determinante para a vida sexual do casal. Para a maioria dos casais a sexualidade, os afetos, a ternura e a confiança são aspetos fortemente interligados pelo que a psicoterapia de casal deve funcionar como um espaço integrativo de todas estas importantes dimensões.
Marta Aleixo
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta
www.martaaleixo.com